Olho uma velha fotografia de Vila Morena. Num salto, minha memória vê os escombros do velho Estoril, caído assim, sem uma vela, por um redemoinho de um vento qualquer. E eu que o pensava tão inabalável quanto uma pirâmide. Num murmúrio de boca a boca ouvia-se o povo perguntar quem fora o responsável pelo desabamento. O mar respondeu estrondosamente que não, não estava naqueles seus dias de ressaca. Além do que existia o estorvo das pedras, impedindo o possível encontro desagregador. O boêmio, que sobrevivera na calçada à noite estrepitosa, lamentava que o Estoril caiu assim, sem mais nem menos, sem um porém, uma vírgula sequer. Um poeta afirmou que o Estoril caiu cansado do tempo, como um ponto final de um verso, sem cantoria nem nada. E o bêbado, de olhar atônito, ainda acrescentou: caiu sem tomar a saideira. O Estoril quase uma lenda, quase história sobrenatural. No meu álbum de fotos, lá estou eu a me banhar nas águas da piscininha que se formava pelo seguimento de pedras que impediam a fúria invasora do mar. Naquele tempo eu nunca ouvira falar em tisunamis. Mas às vezes as águas me metiam medo quando faziam um redemoinho violento e eu rodava feito Mulher Maravilha querendo imitar o super-homem. Queria mesmo voar e ver o que estava por trás do por trás. Mas o caminho das pedras não tinha volta e um dia eu acordei. Um postal da cidade me convida a visitar o novo Estoril - Fênix resplandecente reerguida das cinzas. Luz demais para a minha miopia. Parece não haver dúvidas de que ele sobreviverá a todos nós. Sua história se expôs, confundindo-se com a origem da Praia de Iracema, que era o Porto das Jangadas, ou Praia dos Peixes, época em que os pescadores ali costumavam deixar suas embarcações. Foi construído para ser a residência da família Magalhães Porto, lá pelos idos de 1925 e eu nem estava presente. Na década de 40 arrendaram a casa para os americanos instalarem um cassino onde havia grandes festas com a presença de jovens da alta sociedade. As moças, muito chegadas a um gringo, foram apelidadas de ''garotas coca-cola''. Após a guerra, a família Porto não mais quis retornar, alugando o prédio para os comerciantes portugueses que ali abriram um restaurante. E foi aí que a boemia tomou de conta, até os tombamentos sucessivos. O primeiro pelo Patrimônio Histórico de Fortaleza, na gestão Maria Luiza. Eu estava lá e assinei embaixo. Mas graças a Deus não estive embaixo quando o tombamento foi literal, traído por suas estruturas carcomidas e sua velhice maltratada. Vi com os próprios olhos da minha memória acesa os boêmios sumirem de um por um. Uns deram adeus para sempre: Rogaciano Leite, Sandra Gentil, Ana Beatriz e outros. Alguns partiram para outras plagas. Mas o Estoril ainda está lá, para quem quiser ver, convivendo com outra geração, outra história, outra praia, outros costumes, outros valores.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Nilze, querida, passei apenas pra ver como andava isto por aqui.
Assim que puder boto as maos na massa de novo, ok?
Beijinho
Happy blogoversary!
Oi Nilze, tudo bom?
Estou fazendo uma pesquisa sobre as pessoas que frequentavam a Praia de Iracema, em especial o Estoril. E adorei seu texto e gostaria muito de entrar em contato com vc para fazer essa entrevista
obrigado e ate mais
Postar um comentário