quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Cidade da Criança
Num dia qualquer da minha adolescência saí para namorar e ficamos lá, comendo pipocas. Nem demos pipocas aos animais. Pipocas haviam, muitas. Eles é que não estavam mais lá. Entre aconchegos e juras de amor, divaguei, fugi, viajei. Meus olhos divisaram todo o parque, como se numa outra dimensão. A dimensão do passado. Deixei longe o meu namorado.A Cidade da Criança (ou Parque da Criança, como também é conhecido), nos meus tempos de menina era ornamentada por frondosas árvores, onde os pardais entoavam um canto estridente que se ouvia de uma ponta a outra do arco-íris. Se alguém não ouvia era porque não queria. Os pássaros estavam lá e o arco-íris também.A cidade da minha criança, da criança que fui e que tantas vezes ainda sou, era um local alegre, com parques de diversão, sorvetes coloridos, maçãs do amor, rodas gigantes e muitos, muitos casais de namorados. Papai Noel recebia as chaves de Fortaleza e lá pousava, vindo dividir seus brinquedos com a meninada. Haviam animais presos nas jaulas, onças, tigres, macacos e as mais belas aves com suas plumas coloridas a nos encantar a vista.Já faz tanto tempo... O namorado se foi, outros vieram. Hoje sinto-me madura e lúcida, mas o parque ainda está lá. Os bancos, as árvores e os pardais continuaram. A cidade da criança foi se transformando e ficando triste. Num outro momento, as crianças da Escolinha Alba Frota ainda brincavam de três três passarás. Se não for o da frente há de ser o de trás. Algumas se arriscavam a desfilar sobre a pérgula do lago, que passou a ter um cheiro esquisito e desagradável. As folhas das árvores escureceram com a poluição dos ônibus que circulam pela Praça Coração de Jesus, em frente. Por trás do gradil que rodeia o parque (que parque?) alguns seres pequeninos espiam. São as crianças sem teto e sem lar. Têm fome, assaltam, saqueiam, cheiram cola. Fim de tarde, a Escolinha Alba Frota encerra mais um dia de aula. Sadios e risonhos, os pequenos estudantes retornam ao lar.À noite, outros meninos e meninas invadem o parque. São buliçosos e estridentes como os pardais do dia. Vêem arco-íris e sobem por eles. Percebem sorvetes coloridos sem poder alcançá-los, na ilusão da cola. Dão piruetas, invadem a escolinha e roubam. A Cidade da Criança é só deles. Cansados da noite, correm aos bandos e vão dormir, pelos bancos das praças, que já é outro dia.Hoje, a escolinha não mais está lá. Teve que se mudar, pois as crianças de dentro eram ameaçadas pelas de fora, que não tinham os mesmos direitos. Então a Prefeitura resolveu que o parque se transformaria num pólo aglutinador das várias entidades que defendem a cidadania daqueles meninos e meninas abandonados. E foram construídas casinhas coloridas onde funcionam a Fundação da Criança da Cidade, O Conselho Tutelar, O Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente. Vê-se poucas crianças por lá. A cidade, agora com casinhas tão coloridas, parecendo ter vindo dos contos de fadas, não é mais delas, embora digam que é para elas. Ainda estão lá fora a mendigar, a roubar, a delinqüir, entregues ao ócio do abandono.Cidade da Criança... Hoje, tantos anos passados, eu queria era mesmo poder dizer que ela permanece bonita como antigamente. Reunir as pessoas, juntar os pedaços do passado como um quebra-cabeça que se concertasse e colocasse no lugar todos os cacos quebrados... Ver novamente o lago limpo e cheiroso, as árvores viçosas, os animais vaidosos, expondo seus reluzentes pêlos e plumas e as crianças felizes espreitando-os por entre as grades. Tenho medo que nem os pardais fiquem e partam em revoada para outros locais mais alegres e arejados. Que fujam com medo do barulho, da poluição, das injustiças. Que partam para bem longe, a lamentar com seu canto triste que esse parque, essa cidade, já não é mais da criança.
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