quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Essa rua tem história


Do Centro Cultural Dragão do Mar, olho a rua que se estende, não muito longe. Mas o que houve com ela, encurtou? Ou encurtaram meus passos, quiçá minha visão de adulta? Nos meus tempos de menina esta rua era imensa. Pois por ela meninei, logo que cheguei da minha cidade Natal, com pouco tempo de vida. Aos treze anos me fui, olhos molhados, rumo ao desconhecido. A parte boa da minha vida e o maior espaço de tempo também, devo dizer que vivi na casa de número 410 da Rua Dragão do Mar. Foi esta a rua que me viu ensaiar, em câmara lenta, os primeiros passos trôpegos e já incertos. E acalentou os indecisos sonhos de uma adolescente insegura e tomada por paixões fáceis, até pela rua. Lá minha alma terrena conheceu o primeiro amor, nunca retribuído. Também foi ali que derramei a primeira lágrima ao ouvir no rádio antigo de meu pai uma canção do Vinícius falando da saudade e da tristeza de partir: “Ah, vontade de ficar, mas tendo que ir embora...ai, que amar é se ir morrendo pela vida afora, é refletir na lágrima um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu, de uma noite escura triste como eu...”Olho a Praça do Avião, hoje tão festiva e iluminada e lembro que era lá que meu pai nos levava, a mim e aos irmãos, nas tardes de domingo, a passear de velocípede. Naquele tempo a rua Dragão do mar era marcada por um apartheid que eu não entendia muito bem. No primeiro quarteirão, a partir da Capitania dos Portos, havia uma zona de prostituição, onde reinavam a famosa Maria Cabelão e os homossexuais Elvis Presley e Zé Tatá. Esta era uma zona socialmente proibida para crianças e adolescentes. Mas se tínhamos mesmo que passar por lá, deveríamos descer a calçada, pois era até pecado olhar as casas, os adultos diziam. O próximo quarteirão, da Travessa Itapipoca até a Rua Tigipió, era onde ficava a “calçada da Jonhson”, o reduto da meninada, para os jogos de bila, arraia, manjô e macaca – hoje essas brincadeiras têm outros nomes que me recuso a traduzir por saudade e despeito. A partir dali, a rua subia num morro de areia. De um lado, um pântano e um córrego, onde as lavadeiras lavavam as roupas dos que ficavam embaixo, na parte calçada. Do outro lado, um terreno murado, onde nos deparávamos com inscrições obscenas e desenhos pornográficos. No inverno, as águas da chuva desciam vertiginosamente ladeira abaixo, indo desembocar num esgoto – era a nossa cachoeira em miniatura. O melhor programa da época: tomar banho de chuva e observar os caracóis indolentes na sua caminhada interminável e os peixinhos ágeis, que nos escapavam das mãos. Era ali que deixávamos sem rumo os barquinhos de papel que a correnteza levava.Rua Dragão do Mar, túnel dom tempo. Viajo nas lembranças e na dolorosa certeza de que não se pode preservar ao menos os cenários dos tempos bons da infância. Novas cenas e novos personagens invadiram minha vida. Mas quando durmo e sonho, nem Freud explica o porquê de, na maioria das vezes, estarem lá, todos na casa grande, onde hoje cabe bem mais gente - como se eu nunca me tivesse me apartado de Iracema.

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